Pessoas idosas morando sozinhas: heterogeneidade das velhices e rebatimentos nas políticas públicas

O envelhecimento populacional é uma questão central na sociedade brasileira atualmente. Diferente dos países ditos desenvolvidos, que tiveram um período mais longo para se adequarem ao envelhecimento de suas populações, o Brasil testemunha esse fenômeno em velocidade muito acelerada e sem ter conseguido garantir um patamar mínimo de qualidade de vida e proteção social a grande parte de nossa população. Assim, o envelhecimento, que pode ser entendido como uma das maiores conquistas sociais dos últimos tempos, depara-se com um contexto complexo e desafiador em nosso país, no qual grande parte das pessoas idosas encontram-se desamparadas de políticas públicas, programas e serviços.

Uma questão que demanda atenção especial é a das pessoas idosas que moram sozinhas. Morar sozinho não implica, necessariamente, em estar em uma situação de abandono ou de solidão, pelo contrário, pode ser testemunho de uma velhice independente e com a autonomia preservada. Porém, existem muitos casos em que as pessoas idosas que moram sozinhas não são capazes de promover todos os cuidados necessários para a manutenção da qualidade de vida.

Além disso, pesquisas com pessoas idosas que moram sozinhas na cidade de São Paulo apontam que mais de 36% desse grupo são de pessoas com 80 anos ou mais. 63% das pessoas idosas que moram sozinhas em São Paulo afirmaram ter multimorbidades, ou seja, são pessoas que convivem com 2 ou mais problemas de saúde, geralmente doenças crônicas não-transmissíveis, aquelas que demandam acompanhamento contínuo. Também, 47% desse grupo fazem uso de polifarmácia fazendo uso diário de 5 ou mais medicamentos, podendo ocasionar interações medicamentosas e outros efeitos indesejados. 65% vivem em processo de fragilização, podendo passar a depender de cuidados de outras pessoas em tempo integral ou parcial. Por fim, muitas dessas pessoas apresentam dificuldades para realizar Atividades da Vida Diária (AVDs) e aproximadamente 1/3 não usavam aparelho celular, demandando assim programas e serviços que possam acessá-las nos territórios onde vivem. Em suma, apesar de muitas pessoas idosas morarem sozinhas em boas condições de vida, há um percentual relevante para o qual as políticas públicas, programas e serviços são fundamentais na promoção e manutenção da qualidade de vida.

Com isso em mente, o projeto de pesquisa “Pessoas idosas morando sozinhas: heterogeneidade das velhices e rebatimentos nas políticas públicas”, financiado por uma bolsa de pesquisa de nível pós-doutorado jr. pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científiico e Tecnológico (CNPq), busca complementar a pesquisa “Pessoas idosas que moram sozinhas: demandas para as políticas públicas”, com coordenação geral no Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), tendo como objetivo geral examinar os determinantes intermediários de vulnerabilidade que afetam as pessoas idosas que moram sozinhas e elencar necessidades e demandas desse grupo populacional na Região Metropolitana de São Paulo.

Para atingir este objetivo geral, a pesquisa realizada pelo geógrafo Rodrigo Bonicenha caracterizará a rede de atenção à pessoa idosa apreendendo êxitos, impasses e lacuna; analisará efeitos à saúde das pessoas idosas em domicílios unipessoais, conceito utilizado pelo IBGE, considerando a heterogeneidade desses arranjos domiciliares; conhecerá a trajetória de vida de pessoas idosas que moram sozinhas em diferentes contextos habitacionais; identificará barreiras domiciliares, sociais, institucionais e territoriais para o acesso aos serviços, programas e oportunidades; por fim, contribuirá para a formulação de políticas públicas baseadas em evidências.

Esses objetivos da pesquisa estão em confluência com os do estudo maior ao qual a bolsa de pesquisa está vinculada e aos esforços da equipe multiprofissional que o está realizando, composta por profissionais de outras 4 instituições de ensino superior: a Faculdade de Medicina de Jundiaí – SP; a Escola da Cidade/Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; a Escola de Artes, Ciências e Humanidades das Universidade de São Paulo e o Centro Universitário FMABC, de Santo André – SP.

Além do levantamento documental e bibliográfico das políticas para o público das pessoas idosas que moram sozinhas, a pesquisa contará com a realização de grupos focais com agentes públicos de áreas que atendam as pessoas idosas e de atores sociais relevantes que atuam com esse público, além da participação de pessoas idosas que moram sozinhas em diferentes contextos e condições. Espera-se, assim, contribuir com a formulação de políticas públicas que buscam agir nessa questão central em nossa sociedade e para a qual, ainda, não temos programas e serviços suficientes, diminuindo assim as desigualdades sociais que afligem as pessoas idosas que moram sozinhas.